Delação da JBS eleva corrida de empresas por proteção cambial

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Brasil

23 de junho de 2017 às 11h54

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As empresas brasileiras aumentaram a procura por contratos de proteção cambial (hedge) para tentar blindar seus negócios das incertezas políticas e econômicas após a delação da JBS, apontam dados do mercado e especialistas ouvidos pelo G1. O mecanismo é buscado, sobretudo, para minimizar perdas com a variação do dólar.

O hedge cambial é um contrato que dá o direito de comprar ou vender moeda estrangeira no futuro por um valor combinado previamente. É uma espécie de seguro que protege a empresa de bruscas variações cambiais. Ele é muito usado por empresas que têm custos ou receitas em moeda estrangeira, como exportadoras e importadoras.

O volume de dólares negociado no mercado a termo (fora da bolsa) no mês passado foi de US$ 30,7 bilhões, 35,7% maior que no mesmo período do ano passado, segundo dados da B3. Frente a abril, a quantidade de contratos deste tipo subiu 34%, para 10.351.

A demanda em maio partiu principalmente dos importadores porque o dólar subiu, explica o superintendente de produtos da B3 (novo nome da bolsa brasileira), Fábio Zenaro.

O mercado a termo é o instrumento mais usado pelas empresas para registrar os contratos de compra e venda de dólar no futuro. Já os fundos de investimento, que operam para especular e tentar lucrar com a variação das moedas, costumam comprar contratos negociados em bolsa.

O aumento das operações ocorreu em meio à repentina valorização do dólar no dia 18 de maio, quando a moeda subiu 8,15%, cotada a R$ 3,389, reagindo à forte turbulência política iniciada pela delação dos donos da JBS na véspera. Foi a maior alta diária em 18 anos.

“A incerteza política e econômica decorrente da delação e a abertura de uma investigação contra o presidente Michel Temer levaram ao aumento na busca por proteção pelas empresas”, avalia Leandro Ruschel , sócio fundador do Grupo L&S e especialista em mercado de câmbio.

Uma brusca variação cambial pode quebrar uma empresa. Por exemplo, uma importadora de bebidas pode ter uma alta muita expressiva no seu custo se o dólar subir e isso pode até inviabilizar seu negócio. Da mesma forma, uma companhia que vende em reais, mas tem dívida em dólar, pode ficar sem caixa para pagar sua dívida com a disparada do câmbio.

Como funciona o hedge cambial

Para se proteger das variações do câmbio, as empresas fecham contratos de compra ou venda de dólar no futuro. Assim, mesmo que a cotação da moeda dispare ou desabe em relação ao real, eles têm uma previsibilidade sobre parte das suas receitas ou custos em dólar, já que eles estão protegidos com contratos de hedge.

Por exemplo: um importador, que paga seus fornecedores em dólar, fecha um contrato futuro que lhe garante comprar uma quantidade de dólares por R$ 3,30 daqui a um ano - para isso, ele paga uma taxa. Se a cotação da moeda for R$ 3,20 no fim do contrato, ele perde a taxa, mas não executa o contrato. Mas se o dólar chegar a R$ 3,40 em um ano, ele poderá fazer a compra da moeda por R$ 3,30.

“O contrato tem um custo e se o evento indesejado, como por exemplo a alta do dólar (“sinistro”) não acontecer, ele apenas fica sem esse dinheiro. Caso o dólar suba, ele se protege”, explica o professor da FGV e especialista em câmbio Emerson Marçal.

Tamanho da cobertura

“Muitas empresas fazem hedge obrigatório e aumentam a proteção em momentos de incerteza”, aponta Zenaro, da B3. Cada empresa tem sua própria política de hedge, que pode ser flexível ou mais rígida, sem nenhum tipo de exposição a riscos. “Neste caso, quando a proteção é total, se há dívida em dólar, 100% tem que estar coberto pelo hedge”, explica.

Nos últimos anos, o instrumento foi disseminado e passou a ser procurado também por empresas de menor porte. ”Essa proteção era mais restrita a grandes empresas. Agora o hedge entrou para a gestão de risco”, explica.

A exportadora de papel e celulose Suzano informou em seu balanço do primeiro trimestre que aumentou a proteção de 40% para 75% da exposição cambial para os próximos 18 meses para “tornar a geração de caixa menos volátil e dar maior flexibilidade na gestão do fluxo de caixa”.

No balanço do mesmo período, a Fibria informou que mantém uma cobertura de 42% da exposição cambial, operação que considera “adequada” no atual cenário, “pois permitem travar o câmbio em patamar favorável”, ao mesmo tempo em que minimizam “impactos negativos de uma elevada depreciação do real”.

Investigações envolvendo a JBS

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Polícia Federal investigam se a JBS fez uso indevido de informações privilegiadas na compra de dólares dias antes da delação de Joesley e Wesley Batista.

Segundo o Ministério Público Federal, a empresa elevou a compra de dólar futuro para 7.630 contratos no dia 17 de maio, quando no histórico de operações da empresa entre janeiro e abril, a companhia nunca comprou mais do que 2 mil contratos diários de dólar futuro. A suspeita é que as pessoas que deram ordens para as compras sabiam da delação, e, portanto, teriam usado informações privilegiadas para lucrar no mercado de câmbio, o que é proibido pela CVM.

Se os contratos de câmbio vencessem no dia 18 de maio, a empresa teria lucrado R$ 417 milhões, estima o MPF, mas o órgão ressalta que, segundo a CVM, as posições da JBS com câmbio não foram liquidadas nos dias seguintes.

Segundo Marçal, da FGV, o que está discussão nesse caso é o uso de informação privilegiada pela empresa, independentemente se o objetivo era especular ou fazer proteção cambial. “Nestes dois casos o investidor está comprando um risco, mas quem operou supostamente sabia o que ia acontecer com o dólar após a delação”, afirma.

Especulação em empresas

Apesar de ter como objetivo proteger o negócio, o hedge cambial já foi usado por empresas para especular, lembra Ruschel, da L&S. Isso acontece quando a empresa opera para ganhar dinheiro com operações financeiras e não para proteger o seu negócio de uma eventual variação cambial. “Não há nada de irregular em especular, desde que se siga as regras do mercado”, observa.

Em 2008, a Aracruz e a Sadia foram seriamente prejudicadas e assumiram posições acima do que precisavam em contratos futuros de câmbio para especular. “Elas contrariaram sua atividade-fim atuando como fundos de investimento no mercado”, diz Ruschel.

As empresas buscavam lucrar com a tendência de valorização do real frente ao dólar, movimento que se inverteu com piora da crise financeira nos Estados Unidos no segundo semestre de 2008. As duas empresas acabaram sendo vendidas para evitar a quebra.

À época, as notícias contaminaram as ações de muitas empresas na Bovespa, com a preocupação de que mais companhias poderiam ter especulado com o mecanismo.

Após os casos da Sadia e Aracruz, as empresas passaram a ser obrigadas pela CVM a informar melhor em seus balanços a natureza destas operações, lembra o superintendente de produtos da B3. “Hoje existe menos espaço para atividades especulativas do que antes”, diz Zenaro.

Veja a diferença entre os principais mecanismos de proteção cambial:

Existem vários tipos de contratos de hedge cambial - no mercado balcão, no mercado futuro e os chamados swaps cambiais.

Mercado a termo de dólares

É um contrato de compra e venda de uma moeda a um preço fixado previamente, e pode ser feito de forma particular entre as partes. A parte que se compromete a comprar a moeda no futuro assume a posição comprada, enquanto a outra fica na posição vendida.

Estes contratos são geralmente negociados fora da bolsa, no mercado de balcão, que antes era operado pela Cetip e agora pela B3. São os mais procurados por importadores e exportadores para minimizar perdas com a variação do câmbio, por serem mais simples e flexíveis. “No mercado a termo, o contrato é bilateral e mais flexível. Por conta dessa facilidade as empresas procuram mais”, explica Zenaro, da B3.

Venda de dólares no mercado futuro

Este tipo de contrato é negociado na bolsa e segue regras próprias. O preço do contrato é determinado no momento da negociação e o pagamento ocorre na data de vencimento. O investidor pode apostar na alta ou queda do dólar em diferentes prazos e vai receber pela cotação acertada.

Mais de 60% dos contratos do mercado futuro de dólar na bolsa são fechados por investidores institucionais, como fundos de pensão e estrangeiros, e menos de 5% por empresas. “Na bolsa, os contratos são padronizados por uma sistemática própria de vencimentos de contratos, diz Zenaro.

Swaps cambiais

Este instrumento é muito utilizado pelo Banco Central com o objetivo de controlar a variação do dólar frente ao real. Os swaps são contratos de venda de dólares, com data de encerramento definida. No vencimento, o investidor se compromete a pagar uma taxa de juros sobre o valor deles e recebe do BC a variação do dólar combinada no mesmo período.

“ O BC assume a parte do risco da variação da moeda, mesmo quando todo mundo busca proteção e pouca gente quer oferecer em momentos conturbados”, explica Marçal, da FGV.

Reprodução/G1

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