Que a imagem sirva para evitar novas mortes, diz fotógrafa que clicou pai e filha afogados em fronteira

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27 de junho de 2019 às 11h21

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Ã?scar Ramírez e a filha, Angie Valeria, morreram afogados quando tentavam cruzar rio na fronteira entre México e Estados Unidos â?? Foto: Julia Le Duc/AP

Quando os corpos surgiram na manhã de segunda-feira (24), a repórter mexicana Julia Le Duc apertou o obturador sem muita esperança de que suas imagens tivessem um impacto maior do que as de mais de 20 migrantes afogados que ela fotografou nos últimos anos.

Ela havia chegado lá um dia antes, quando, após algumas chamadas de emergência, recebeu um aviso de que algo estava acontecendo nas margens do Rio Grande, em Matamoros, Tamaulipas.

"No domingo disseram à polícia que havia uma mulher gritando na praia. Quando eu cheguei lá, vi uma mulher muito jovem, Tânia Valdés Ávalos, que estava muito mal, contando que a família, o marido e a filhinha pequena haviam sido levados pelo rio", disse a correspondente do jornal mexicano "La Jornada" à BBC News Mundo.

As autoridades iniciaram a busca pelos corpos, mas a suspenderam de madrugada pelos riscos no local.

"Alguns repórteres chegaram na manhã seguinte quando a busca foi retomada e os corpos apareceram pouco depois das 10h. Nós que estávamos lá tiramos as fotos e a surpresa foi que os dois corpos emergiram juntos e abraçados."
As imagens do salvadorenho Óscar Alberto Martínez Ramírez, de 25 anos, e sua filha Valeria, de um ano e 11 meses, rapidamente se tornaram virais e um testemunho gráfico dos perigos e tragédias que milhares de migrantes enfrentam todos os dias em sua tentativa de alcançar os Estados Unidos.

De acordo com vários relatos, Martínez, sua esposa e sua filha chegaram no domingo passado em Matamoros depois de esperar por mais de dois meses em um centro migratório no México pela possibilidade de buscar asilo nos Estados Unidos.

Ao constatar que o escritório de imigração local estava fechado naquele dia, o homem decidiu atravessar: pegou a menina, nadou com ela para a outra margem e a deixou em terra firme antes de voltar para buscar sua esposa.

No entanto, de acordo com o testemunho da mãe, a menina, vendo que o pai estava se afastando, voltou para a água. Quando Martínez voltou para pegá-la, ambos foram varridos pela correnteza.

A imprensa salvadorenha diz que a família buscava melhores condições de vida e um futuro mais digno para sua filha.

Uma realidade cotidiana
As imagens de Le Duc geraram em igual medida empatia, críticas e indignação.

Alguns questionaram até que ponto é legítimo publicar esse tipo de foto que na opinião de muitos incentiva um fascínio mórbido e discriminação contra as famílias migrantes. Outros alegam que é uma forma de mostrar a tragédia dos que tentam chegar à fronteira.

Na verdade, a correspondente do jornal "La Jornada" em Tamaulipas garante que essa é uma cena comum na fronteira.

No dia da tragédia fotografada por Le Duc, agentes da Patrulha da Fronteira do Texas encontraram os corpos de quatro pessoas: uma mulher de 20 anos, uma criança pequena e dois bebês.

"Eu cobri e tirei fotos de cerca de 25 afogamentos. Mas eu acho que essa comoveu mais pela questão de como pai e filha estavam abraçados. Ele colocou a menina dentro da camisa, ela o abraçou e foi assim que os corpos estavam ao aparecer."

Crise migratória
Le Duc assegura uma tragédia como a que fotografou era previsível.

"Aqui tem havido muita publicação local sobre o que estava acontecendo ao redor da Puente Nuevo (uma travessia migratória). Há 'alarmes' por causa da superlotação de migrantes, devido às condições em que vivem as pessoas da América Central, os cubanos, até imigrantes da África, que estão em condições deploráveis, sem qualquer ajuda oficial."

Segundo a repórter, a situação levou muitos moradores da região a se organizarem para levar comida e água.

Várias organizações de direitos humanos vêm denunciando que o recrudescimento das normas para solicitar asilo nos Estados Unidos, movimento feito pelo governo de Donald Trump, levou a uma crise migratória na fronteira com o México.

Sob os novos regulamentos, os migrantes devem esperar - em alguns casos por meses - em solo mexicano até que as autoridades dos EUA resolvam seus pedidos.

Apenas na fronteira com Matamoros, até maio do ano passado, cerca de 2 mil pedidos de asilo haviam sido apresentados, enquanto um total de 593,5 mil migrantes se apresentaram às autoridades de fronteira.

Grupos civis afirmam que isso pode levar a um aumento no número de mortes na fronteira, uma vez que os migrantes tendem a usar travessias perigosas para entrar sem autorização.

Segundo dados do governo dos EUA, em 2018 pelo menos 283 pessoas morreram em sua tentativa de cruzar a fronteira.

Le Duc diz que "isso vem acontecendo há muito tempo e ninguém fez nada. Agora eles viram o que está acontecendo em Matamoros, mas é uma crise que vem acontecendo há meses."
Para aqueles que estão esperando na parte americana, a situação não é muito diferente.

Nos últimos meses, grupos civis e políticos denunciaram as condições humanitárias dos migrantes nos centros onde estão detidos, onde em muitos casos eles não têm pasta de dentes, cobertores ou sabão.

A Câmara de Deputados dos Estados Unidos aprovou a alocação de US$ 4,5 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões) em ajuda humanitária para famílias de imigrantes, embora a Casa Branca tenha rejeitado a medida e Trump deva vetá-la.

Na terça-feira, quando questionado sobre a foto, o presidente dos EUA disse que "detestou" e botou a culpa do que aconteceu nas políticas do Partido Democrata.

"Espero que essas imagens e o que aconteceu conscientizem as pessoas e não tenhamos que continuar tirando fotos de migrantes mortos no meio do rio. Espero que o que hoje é notícia e viraliza torne-se um alerta para conscientizar os governos sobre o que está acontecendo com os migrantes, que estão morrendo na fronteira porque não estão prestando atenção a eles", diz Le Duc.
De acordo com a repórter, outras 100 famílias com crianças e ainda esperam em Matamoros para pedir asilo.

No entanto, ela não sabe se todo mundo vai esperar por esse momento.

"Há muitas famílias que ficam desesperadas, sob calor extremo, famintas, sedentas, que continuam dormindo a céu aberto, em condições desumanas; não são criminosos, são migrantes em trânsito".

G1 // AO

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