Às escondidas, os feirantes comentam um só assunto: os casos de coronavírus na Feira de São Joaquim, a maior de Salvador. Em apenas uma semana, foram quatro mortes associadas à covid-19 - duas comprovadas por documentos acessados pelo CORREIO. Hoje, uma vendedora de galinhas está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital público. Outro comerciante ficou em estado grave por duas semanas, depois de contato com outro feirante contaminado. O espaço está aberto e todos acreditam que a Semana Santa tenha sido o estopim das contaminações. Durante oito dias, a reportagem colheu relatos, buscou documentos e conversou com feirantes. Eles falam em oito mortes desde o início da epidemia, mas não conseguimos provas dos óbitos. Dos mortos, dois eram comerciantes vítimas da covid-19; um ex-comerciante da feira e pai do dono de uma loja de tecido que frequentava quase diariamente o local e morreu com infecção respiratória aguda, suspeita de coronavírus; e outro infartou na feira - uma das possíveis complicações da doença, mas sem confirmação de familiares, nem amigos, de que tenha sido este o caso dele. Nenhum comerciante aceitou falar publicamente com a reportagem, com receio de represálias dos colegas e do próprio futuro da feira, da qual dependem diretamente. Alguns deles desconversaram. Outros desligaram a ligação. Os decretos restritivos não incluem a feira, que presta serviços considerados essenciais e está aberta. Diferentemente de mercados, no entanto, não há nenhuma medida de controle de entrada de consumidores na Feira.
A morte mais recente - pelo menos, oficialmente notificada - foi a de Nestor Lessa de Souza, 62 anos, fornecedor de frutas que, há três décadas, trabalhava na Rua do Quiabo, em São Joaquim. Nestor morreu às 0h45 do dia 9 de maio, no Hospital do Subúrbio, segundo atestado de óbito acessado pela reportagem. “Não vou mentir para você não, aqui na Feira são muitas situações [de coronavírus]”, disse o dono de um bar. A cada pessoa contaminada, existem outras três fora das estatísticas e assim por diante, numa escala geométrica, diz a Fiocruz. As suspeitas de casos de coronavírus ganharam a feira depois da Páscoa. Dos dias 6 a 11 de abril, os boxes - principalmente os que vendem produtos para comida baiana - ficaram lotados. A reportagem localizou três pessoas que contraíram o vírus logo depois. Uma delas é o dono de um dos principais quiosques de venda de camarão. Ele ficou internado em estado crítico no Hospital Aliança, por duas semanas. Enquanto esteve afastado, sua loja, onde trabalham entre 15 a 20 funcionários, permaneceu aberta. Se algum deles se contaminou, teste não houve para comprovar.
Os feirantes calculam, de cabeça, uma média de 15 casos de coronavírus no perímetro onde atuam. É bom lembrar que cada um deles ocupa uma porção dos 38 mil metros da Feira - o equivalente a quase quatro campos de futebol - e o que sabem refere-se apenas à área onde trabalham. O espaço é dividido por ruas, com os respectivos nomes dos produtos mais vendidos. Uma cidade dentro de outra, brincam os comerciantes. A Feira de São Joaquim é um pólo de abastecimento de Salvador, Região Metropolitana e Recôncavo Baiano. De lá, saem também materiais artesanais e religiosos. O povo de santo, por exemplo, é frequentador da Feira, onde são encontrados artigos fundamentais para obrigações. O local é considerado um símbolo da cultura baiana, retratada em filmes, livros e pinturas.
As mortes e o silêncio
Os óbitos e casos, como relataram os vendedores, aconteceram em diferentes pontos da Feira, dividida em ala velha e ala nova, reformada pelo governo do estado - ruas do Quiabo, do Limão, da Verdura e da Bomboniere. O presidente do Sindicato dos Feirantes da Feira de São Joaquim, responsável pela administração da feira, Nilton Ávila disse desconhecer os casos. O Governo respondeu que não intervém na gestão do local.
Reprodução: Correio 24 horas
Redação do LD