Pequenas cidades brasileiras têm mais de 10 mil mortes por coronavírus

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Brasil

12 de julho de 2020 às 15h41

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Longe das capitais e grandes cidades, o novo coronavírus tem avançado pelo interior do Brasil, causando a morte de milhares de brasileiros. A partir de dados do Ministério da Saúde a Agência Pública apurou que, até o dia 6 de julho, mais de 10 mil pessoas morreram por Covid-19 em municípios com menos de 100 mil habitantes. Ao todo, mais de 2.500 cidades desse porte registraram pelo menos uma morte causada pela doença, isto é, quase metade dos municípios brasileiros com população menor que 100 mil habitantes.

As mortes por Covid-19 nessas pequenas cidades podem ser explicadas em parte pela falta de estrutura em saúde. Segundo levantamento da Pública, entre esses municípios, 80% não possuíam sequer um leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) antes da pandemia – e 78% seguiram sem UTIs até o mês de maio, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Cerca de 88 milhões de brasileiros, mais de um terço da população do país, vivem em municípios com menos de 100 mil habitantes.

Um dos municípios mais afetados é Tabatinga, cidade com cerca de 65 mil habitantes no extremo oeste do Amazonas, próximo à fronteira com o Peru e a Colômbia. Apesar da pequena população, Tabatinga já registrou 75 mortes por Covid-19, o que a colocou entre os dez municípios com menos de 100 mil habitantes com mais mortes em relação à população. Para se ter uma ideia, a média de mortes por população em Tabatinga é 1,8 vez a da cidade de São Paulo e 3,6 vezes a do Brasil. Foi em Tabatinga que Gabriela Acosta perdeu seu pai, depois de ter aguardado por quatro dias a transferência para uma UTI em Manaus. Felix José Acosta, comerciante, foi internado por complicações causadas pela infecção pelo novo coronavírus no Hospital de Guarnição Militar, em Tabatinga. Segundo a filha, após a piora no quadro – inclusive com necessidade de hemodiálise –, a família aguardava a transferência para um hospital na capital, que precisaria ser feita por avião ou helicóptero. Tabatinga está a mais de mil quilômetros de distância de Manaus, uma viagem que pode levar duas horas de avião ou três dias de barco.

A promessa não cumprida da transferência levou Gabriela a publicar uma denúncia em seu Facebook pedindo que seus amigos compartilhassem seu relato. “Este é um apelo e uma denúncia pelos seus, pelos meus, para que não sejam ignorados para que não tenhamos que nos conformar com tantas perdas e descaso público com a vida”, disse em 14 de maio. No dia seguinte, seu pai faleceu.

Em entrevista à Pública, Gabriela relatou a evolução do estado de saúde de seu pai. “Meu pai foi pra UPA da cidade no dia 3 de maio, com tosse, dor no peito e saturação [de oxigênio] muito baixa. Ficou por dois dias lá e depois foi encaminhado ao Hospital de Guarnição [de Tabatinga]. O quadro era estável e ele não tinha diabetes, hipertensão e nem asma. Dia 7 foi entubado, sem mesmo consultar a família; já que o quadro dele era estável não tinha necessidade, mas falaram que era pra ajudar na falta de ar. No dia seguinte informaram que iriam transferi-lo para Manaus, pois o tratamento seria melhor.”

Lousiana, irmã de Gabriela e também moradora de Tabatinga, acompanhou o caso mais de perto, enquanto cuidava de sua mãe, infectada pelo novo coronavírus e hospitalizada na UPA da cidade. Ela recebia boletins diários sobre Felix José, acompanhava o tratamento com hidroxicloroquina e anticoagulantes e chegou a ir algumas vezes ao hospital com as malas para o voo do pai para Manaus, que não aconteceu.

“No dia 12 recebi um novo boletim. A médica falou que meu pai só tinha alguns dias de vida, que o rim dele tava quase parando e que tinha que levar ele urgentemente para Manaus. Eu disse ‘por que vocês esperaram ele chegar nessa situação pra dizer que era urgente? Tá com essa história de levar ele para Manaus desde o dia 7 e deixaram passar todos esses dias com a situação de meu pai se agravando’”, conta Lousiana. Pacientes que deram entrada no Hospital de Guarnição depois de Felix foram transferidos para a capital antes dele. Os critérios para a ordem de transferência não foram informados à família. “Por que estavam deixando o meu pai? Esqueceram dele, entendeu?”

No interior de São Paulo, cidade sem UTI tem maior número de mortes por população do país


Assim como ocorreu em Tabatinga, moradores de municípios pequenos que desenvolveram quadros graves da Covid-19 e precisaram de internação foram obrigados a se deslocar para cidades maiores – muitas delas distantes ou com sistemas de saúde já sobrecarregados. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, das dez cidades com menos de 100 mil habitantes que tiveram mais mortes por Covid-19, metade não tinha sequer um leito de UTI. E apenas em Manacapuru (AM) havia leitos de UTI destinados exclusivamente ao tratamento de pacientes com coronavírus.

A Pública já havia revelado que no interior do Brasil há uma série de “desertos de UTIs”, regiões onde há poucos ou nenhum leito do tipo para internar pacientes em estado grave. Mesmo considerando regiões de saúde – que incluem municípios vizinhos –, metade das regiões do país não possuía o mínimo de UTIs por habitante recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) antes da pandemia.

No interior de São Paulo, a cidade de Gastão Vidigal é um exemplo de município que depende da estrutura das cidades vizinhas. A cidade de pouco mais de 4 mil habitantes não tem uma UTI sequer e teve nove mortes por Covid-19. O número levou o município a ter a maior proporção de mortes em relação à população entre todas as cidades brasileiras com menos de 100 mil habitantes.

A notificação do primeiro caso em Gastão Vidigal ocorreu no dia 7 de maio, 71 dias após a confirmação da primeira infecção pelo novo coronavírus no país. Em junho, já havia 36 infectados e seis mortos. Segundo o prefeito da cidade, Carlos Breseghello (PP), o feriado de Dia das Mães foi um dos motivos para o alastramento da doença na cidade, já que moradores de São Paulo foram ao interior visitar suas famílias.

Em entrevista à Pública, o chefe do gabinete da prefeitura de Gastão Vidigal afirmou que, apesar da surpresa com a pandemia, a situação da cidade está normalizando e o avanço dos casos, diminuindo. Os dados dos boletins oficiais, contudo, colocam dúvidas sobre essa afirmação: o último aumento de casos no município aconteceu no dia 3 de julho, de acordo com os dados do Ministério da Saúde. Além disso, há algumas discrepâncias entre os números relatados pela prefeitura e o ministério: o último boletim municipal de Gastão Vidigal contava 10 óbitos e 90 casos de Covid-19, ainda mais que a quantidade apresentada pelo governo federal, de 47 casos e nove óbitos.

Segundo o último boletim do Ministério da Saúde, as infecções pelo novo coronavírus no interior do estado de São Paulo não está em queda, antes o contrário. Na 16ª semana epidemiológica, 69% dos casos e 68% dos óbitos no estado de São Paulo se concentravam na capital, enquanto o interior representava cerca de 30% de casos e óbitos confirmados. A situação mudou com a interiorização da pandemia: dez semanas depois, o interior do estado representa 54% dos casos e 51% das mortes pelo novo coronavírus.

Procurada pela Pública, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que Gastão Vidigal está em condições de atender pacientes. A pasta afirmou que casos mais graves são transferidos para municípios vizinhos como Votuporanga, pertencente à rede de saúde de São José do Rio Preto, onde, segundo a secretaria, a taxa geral de ocupação é de 49% dos leitos de UTI e 37,1% nos leitos de enfermaria reservados para Covid-19. Porém, dados do Censo Covid-19, realizado pela Secretaria, mostram que o número de novas internações no Departamento Regional de Saúde de São José do Rio Preto aumentou 29,3% na última semana.

A vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Cristiane Pantaleão, avalia, no entanto, não ser necessária a existência de leitos de UTI em todos municípios para que o sistema de saúde público funcione e atenda a população, pois ele é estruturado em rede. “Temos municípios de pequeno porte que têm uma estrutura de atenção básica bem formada. A gente precisa de uma atenção básica estruturada que dê conta de atender 85% dos pacientes que não vão precisar de estrutura hospitalar. E a gente precisa de um processo de trabalho regional, com a participação do estado, para organizar a rede de assistência hospitalar”, pondera.

Na avaliação de Cristiane, a falta de um protocolo para lidar com o novo coronavírus e possíveis tratamentos para a doença explicam o impacto inicial das mortes nessas pequenas cidades, mais que a falta de UTIs. “Não é isso que vai salvar. Ao contrário: se tenho leito de UTI e não tenho médico capacitado, eu mais mato. Então, eu preciso regionalizar. E para isso eu preciso do apoio do estado para, de fato, participar da regionalização: contratar leito de UTI, hospitais que estejam dispostos a atender, capacitar equipe do hospital, monitorar… Tudo isso faz parte de uma rede de atenção qualificada”, afirma. Na primeira semana de maio, o Ministério da Saúde, com o Conasems, elaborou um guia direcionado às administrações locais com estratégias de gestão. No dia 9 de maio, o Brasil contava 10 mil mortes confirmadas por Covid-19.

Reprodução: Publica

Redação do LD

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